quinta-feira, abril 29, 2010

Queiram desculpar

Cora Rónai
Segundo Caderno
O Globo 29/04/2010

Um dos maiores sucessos do cinema no já muito distante ano de 1970 foi “Love story”, historinha melodramática que, a essa altura, já teria caído no mais completo esquecimento, se, por acaso, não tivesse uma fala que entrou para a história.
“Love means never having to say you’re sorry”, dizia a personagem de Ali McGraw para o personagem de Ryan O’Neal, o namorado que, depois de fazer uma besteira qualquer, tentou pedir desculpas: “Amar é não ter que pedir perdão”.
A frase deu origem à tirinha “Amar é...”, virou chavão, adesivo e capa de caderno escolar, é batida e piegas, mas encerra uma verdade incontestável: quem se importa com o outro, de verdade, trata de pensar e de agir bem consistentemente, em vez de magoar e, depois, pedir desculpas. Quem gosta cuida, presta atenção, evita ferir.
Oferecer desculpas depois que o mal está feito é em geral pouco e, na maioria das vezes, não adianta de nada.
Em 1992, por exemplo, o Papa João Paulo II pediu desculpas em nome da Igreja pelo processo movido contra Galileu Galilei, que ousou afirmar que a Terra girava em torno do Sol. Além de Galileu já estar morto há 350 anos, o caráter patético do episódio ampliouse com a declaração mesquinha do pontífice, que fez questão de observar que a condenação fora resultado de uma trágica “incompreensão mútua”. Oi?! Como assim? Desde quando Galileu, que corria o risco de ser queimado em praça pública, era obrigado a “compreender” seus algozes?! No mês passado, o Papa Ratzinger pediu desculpas às vítimas dos padres pedófilos. Seria bonito se não viesse na esteira de um escândalo escancarado e de um princípio de clamor pela renúncia do Papa — acusado, ele próprio, de ter acobertado os crimes em áreas sob sua jurisdição. Desculpas para salvar a própria pele, porém, não têm qualquer valor, moral ou afetivo.
Acontece que pedir desculpas está na moda.
De Bill Clinton a Tiger Woods, de Britney Spears a Lindsay Lohan, todo mundo deu de pedir desculpas — e todos, todos, com a mesma insinceridade, com a mesma falta de um arrependimento genuíno, que se possa notar em ações subsequentes. É como se o simples ato de dizer “Desculpe” ajeitasse tudo o que deixou de ser pensado e cuidado antes.
A mais recente figura da lista é o prefeito Eduardo Paes. Se as suas desculpas são sinceras, e ele de fato não soube dimensionar um evento que a cada ano fica maior, falta-lhe competência; se não são, e ele achou que um pedido de desculpas resolveria tudo depois, falta-lhe boa fé.
Em tempo: se magoei alguém da Igreja ou da prefeitura ao escrever isso, peço desculpas.

Sou viciada em sorvete de iogurte, e fico muito feliz a cada nova sorveteria que se abre na cidade. Acho que no dia em que o Rio tiver tantas lojas de sorvete de iogurte quanto tem farmácias, serei, enfim, um bípede realizado.
Mas não suporto a mania que algumas têm de pedir o nome do freguês. A principal ideia por trás disso talvez seja facilitar a entrega dos pedidos, mas não vejo nada errado na boa e velha descrição do produto, tal como é feita em qualquer lanchonete; e implico mesmo com a ideia secundária, aquele falso tom de intimidade importado dos Estados Unidos.
Não vou a lojas de sorvete de iogurte para criar uma relação com o estabelecimento; vou apenas tomar sorvete. Será pedir muito que me deixem quieta?!

Peguei o picolé de limão da geladeira. Este picolé, que tem menos de 60 calorias, é o ponto alto — e alegre — da dieta que, pela enésima vez, estou fazendo. É um momento de expectativa e de prazer antecipado: tirar o papel, jogar no lixo, olhar para aquela belezinha descascada e... nhac! Ó, felicidade. Pois não é que, no outro dia, o picolé veio com defeito? Olhando de fora, estava lindo e perfeito. Na boca, era salgado e amargo, mais ou menos como a limonada inesquecível do Sarojini Market, em Nova Déli.
Pessoas de dieta são hipersensíveis a qualquer ato de traição por parte de alimentos, e não sou exceção: como é que aquele picolé me fazia aquela desfeita?! Liguei pro 0800 da Kibon.

— Não acredito — disse a Bia. — Você se deu ao trabalho de ligar pro SAC pra reclamar de um picolé? Mas para quê? — Para desabafar, ora essa! O pessoal que está lá é pago para ouvir reclamação. Não vou alugar família e amigos para reclamar de um picolé salgado, mas preciso reclamar com alguém.

— E o cara não riu de você? — Não. Pelo contrário, foi gentil e atencioso.
Pediu todos os dados do picolé e, se eu tivesse guardado aquela porcaria no congelador, provavelmente teria até mandado alguém buscar, para descobrir o que estava errado.

Detestei o picolé, mas gostei muito do atendimento do SAC.

— Alô, mãe? — disse a Bia. — Liguei pro SAC! — Você também pegou um picolé salgado?! — Não! Liguei pro SAC das fraldas, para reclamar das tirinhas adesivas. Foi muito engraçado.
O cara me perguntou: “Posso te chamar de mamãe?”, e aí ficou aquele papo, “Mas mamãe, como é que você põe a fralda nos bebês?”, e “Mamãe, como é que você tira o papel das tirinhas?” Muito louco...
Pensando bem, prefiro que as lojas de sorvete de iogurte continuem pedindo o meu nome. Já pensou se a moda do SAC das fraldas pega? — Vovó, tem um chá verde aqui...

— Mamãe, pega o seu maracujá no capricho! Eta, mundo.

Blog: cora.blogspot.com. E-mail: cora@oglobo.com.br

quinta-feira, fevereiro 11, 2010

Honesty

If you search for tenderness
it isn't hard to find.
You can have the love you need to live.
But if you look for truthfulness
You might just as well be blind.
It always seems to be so hard to give.

Honesty is such a lonely word.
Everyone is so untrue.
Honesty is hardly ever heard.
And mostly what I need from you.

I can always find someone
to say they sympathize.
If I wear my heart out on my sleeve.
But I don't want some pretty face
to tell me pretty lies.
All I want is someone to believe.

Honesty is such a lonely word.
Everyone is so untrue.
Honesty is hardly ever heard.
And mostly what I need from you.

I can find a lover.
I can find a friend.
I can have security until the bitter end.
Anyone can comfort me
with promises again.
I know, I know.

When I'm deep inside of me
don't be too concerned.
I won't as for nothin' while I'm gone.
But when I want sincerity
tell me where else can I turn.
Because you're the one I depend upon.

Honesty is such a lonely word.
Everyone is so untrue.
Honesty is hardly ever heard.
And mostly what I need from you.

sexta-feira, janeiro 29, 2010

Relações cariocas (1)



Daria pra escrever um livro sobre os vários aspectos da sociologia e antropologia carioca sem deixar de lado as peculiaridades individuais tratadas pela psicologia. Na verdade seriam três tratados.
Tais observações são um convite à deixar a cidade maravilhosa.
Talvez, por isso, procastino esse escrito sem deixar de lembrar o que Sérgio Buarque de Holanda escreve sobre o brasileiro de forma geral referindo-o como o "homem cordial". Ao contrário do que se imagina numa leitura rápida não se trata de um homem gentil, ou bom. Ilustra o homem que age, segundo a etiologia da palavra, essencialmente pelo coração - cordis. Segundo o próprio "pai do Chico" (como gostava de ser chamado) o brilhante historiador dizia que o homem cordial é aquele que age com a emoção no lugar da razão, não vê distinção entre o privado e o público, detesta formalidades e põe de lado a civilidade.
Pronto, aí começa a ficar complicado... Hoje é sexta, dia de sol. Amanhã, além de dia de praia para o carioca, já será possível ver nas ruas preliminares do carnaval com os blocos e suas marchinhas intermináveis. Fenômeno revitalizado há alguns carnavais, carinhosamente apelidado de "bloquinho".
Deixo essas reflexões para uma segunda-feira a noite, chuvosa. Ou quando meu mau-humor quase distímico surgir mesmo com o sol.

segunda-feira, janeiro 18, 2010

Destreza de amar

A destreza de amar é um dom. Enlouquecedor.
Faz chover no coração dos desabrigados a dúvida e o duelo entre cabeça e coração.
Não sabes se se entrega. Não sabes se se preserva.
O medo bate e torna as certezas e princípios em meras divagações. Dessas de terça-feira a tarde. Vazias de concretude.
Tudo é dúvida. Remoe-se o que será feito do antes com o sentimento que se desenvolve a partir do agora.
Pergunta-se o porque de ter sido menos sociável e ter dedicado tanto tempo em enriquecer a individualidade para ser boa companhia para si próprio.
"Era melhor investir em si. Retorno mais seguro".
E de tanta dificuldade de abandonar a segurança, teme-se.
Temer é pensar, hesitar por alguns instantes.
Petrificar-se no medo é não se permitir viver.
E a vida impagável, curta e imponente não aguarda da resposta sua andança.

segunda-feira, janeiro 04, 2010

Arriscar-se

Rir é arriscar-se a parecer louco.
Chorar é arriscar-se a parecer sentimental.
Estender a mão para o outro é arriscar-se a se envolver.
Expor seus sentimentos é arriscar-se a expor seu eu verdadeiro.
Amar é arriscar-se a não ser amado.
Expor suas idéias e sonhos ao público é arriscar-se a perder.
Viver é arriscar-se a morrer.
Ter esperança é arriscar-se a sofrer decepção.
Tentar é arriscar-se a falhar.
Mas… é preciso correr riscos.
Porque o maior azar da vida é não arriscar nada…
Pessoas que não arriscam, que nada fazem, nada são.
Podem estar evitando o sofrimento e a tristeza.
Mas assim não podem aprender, sentir, crescer, mudar, amar, viver…
Acorrentadas às suas atitudes, são escravas;
Abrem mão de sua liberdade.
Só a pessoa que se arrisca é livre…
“Arriscar-se é perder o pé por algum tempo
Não se arriscar é perder a vida…”


Søren Kierkegaard

sábado, janeiro 02, 2010

Resposta do amigo Wilen

O que mais me espanta é o alívio do dever cumprido de ambas as partes: de um lado, a imponência de magistrais mestres; do outro, uma turma, uma plateia de claques com bom sorriso na face e esperança nas cabeças.

Não importa, na verdade, a transmissão de conhecimento, a sua eficácia de alcançar o objetivo ideal; mas sim a desigualdade entre os conteúdos. Dou-te o peixe sem te ensinar a pescar. Um pupilo não poderá saber mais que o seu mestre. E assim passam os dias...

No meio de uma selva, com cegos e surdos, surge uma comunicação - fala-se o que quer; entende-se o que se convém. O mundo é para os espertos. É para aqueles que falam primeiro, mais alto e melhor. Cresça e apareça é a máxima de Bam-Bans brothers - maximize-se ou some-se.

A única lei: a Lei de Gerson.

Lembro-me, por isso, de um velho amigo: Homo homini lupus


heheheheh
Bravo!
Realmente, o mundo hj está assim... é para aqueles que falam primeiro, mais alto e melhor.
Entra o ano novo. As esperanças se renovam. Parece-me que a meta mais importante para 2010 seja a de sermos nós mesmos cada vez mais. Até pq só a gente que pode desempenhar essa função. Escrito assim soa redundante. Mas basta 5min de auto-crítica pra perceber quantas vezes tentamos ir por outros caminhos que nos parecem mais atraentes mesmo que se distanciem do que somos em essência.
Como diria Paulo Leminski: "Isso de ser exatamente o que se é ainda vai nos levar além"
Grande abraço!
Ótima renovação de esperanças para esse ano novinho que se inicia.

sábado, dezembro 26, 2009

Pacto da mediocridade

Antes de chegar ao setor a segunda coisa que se destacava na visão além da fila de fáscies sofredoras era o aviso na porta legível para todas as idades: Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: Pena - detenção, de 6 meses a 2 anos, ou multa.

O aviso precedia uma nítida tortura velada, um verdadeiro assédio moral. Deve-se esperar pacientemente o andar lento da fila, entender o que o secretário embutido de um guardapó de pipoqueiro sentado em sua mesa de madeira da década de 30 dizia com a cabeça baixa pela primeira vez. Do contrário, já era possível de se ouvir um tom duplamente grosseiro e altivo como se fosse a décima quinta vez que se ouvia a mesma explicação.

A 100m dali...

Médicos com o mínimo de 20 anos de formação, com especialização, mestrado, aprovados em concurso para professores de uma Universidade Federal encontravam-se na frente da platéia apontando um laser point ao mesmo tempo que entoavam: VOCÊ!

Doutor: O que tem naquela radiografia?

A aula termina.

Para muitos, era nítido. Tratava-se de uma aula.

Para outros tratava-se de uma cerimônia quase ritualística de um pacto com a mediocridade onde pouco se aprendia de medicina mas muito se absorvia de soberba a arrogância. Para os colegas já tendenciosos a tal perfil podia se tratar de uma aula comum. A postura encenada a frente, ratificava o comportamento dos que já se preparavam para desempenha-la.

Aluno: Não sei professor.

Para muitos, era nítido. Tratava-se de uma radiografia.

Para outros tratava-se de uma perda de tempo. Que lugar que iríamos deparar com uma imagem de raio x sem ter visto o paciente, sem ter ouvido sua queixa, sem avaliar com a adequada propedêutica? Nenhum. O que era visto com tal rapidez e perguntado com o objetivo de se satisfazer com o erro de quem nunca tinha visto aquilo seria facilmente esquecido. Que tipo de personalidade habita num indivíduo que com décadas de formação se perfaz comparativamente com a ignorância do novato, com o aprendiz?

Doutor: Então eu vou te ensinar... Isso é uma radiografia clássica de ...

Questionar era perigoso e ameaçador. Além das penas previstas para os pobres coitados (que viajaram por horas em ônibus e trens superlotados e não podiam se mostrar contrariados com a falta do Doutor, com a vaga para daqui a três meses, com a espera insuportável e com o mau humor do secretário) para os aprendizes havia uma outra pena: a possibilidade de passar novamente por tal cerimônia insuportável com a reprovação. Afinal, desacatar funcionário público é crime. E crime é para ser punido.

Recomeçando pelo fim

Ao contrário do que se diz por aí acho que às vezes é melhor (re)começar pelo fim. Final de ano. Mais do que novas promessas, novas metas e novos sonhos. Novas desilusões. O balanço do ano que passou é inevitável: fecha-se um ciclo da faculdade, é bom para constar. Aprende-se menos do que se gostaria, vive-se menos do que se gostaria, ama-se menos do que se gostaria, viaja-se menos do que se gostaria. Essa é a faculdade de medicina. Impressiona-me pensar que os grandes pensadores que revolucionaram nossa ideia de mundo tinham menos do que trinta anos. Eu nem mesmo sei o que farei hoje lá pela tarde. Várias das minhas questões de adolescência ainda tiram meu sono. Triste pensar que de tudo isso nada ficará, nem mesmo uma "ideiasinha" aí pra eternidade. Todas as preocupações irão embora. Tornarão-se pó.