sábado, dezembro 26, 2009

Pacto da mediocridade

Antes de chegar ao setor a segunda coisa que se destacava na visão além da fila de fáscies sofredoras era o aviso na porta legível para todas as idades: Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: Pena - detenção, de 6 meses a 2 anos, ou multa.

O aviso precedia uma nítida tortura velada, um verdadeiro assédio moral. Deve-se esperar pacientemente o andar lento da fila, entender o que o secretário embutido de um guardapó de pipoqueiro sentado em sua mesa de madeira da década de 30 dizia com a cabeça baixa pela primeira vez. Do contrário, já era possível de se ouvir um tom duplamente grosseiro e altivo como se fosse a décima quinta vez que se ouvia a mesma explicação.

A 100m dali...

Médicos com o mínimo de 20 anos de formação, com especialização, mestrado, aprovados em concurso para professores de uma Universidade Federal encontravam-se na frente da platéia apontando um laser point ao mesmo tempo que entoavam: VOCÊ!

Doutor: O que tem naquela radiografia?

A aula termina.

Para muitos, era nítido. Tratava-se de uma aula.

Para outros tratava-se de uma cerimônia quase ritualística de um pacto com a mediocridade onde pouco se aprendia de medicina mas muito se absorvia de soberba a arrogância. Para os colegas já tendenciosos a tal perfil podia se tratar de uma aula comum. A postura encenada a frente, ratificava o comportamento dos que já se preparavam para desempenha-la.

Aluno: Não sei professor.

Para muitos, era nítido. Tratava-se de uma radiografia.

Para outros tratava-se de uma perda de tempo. Que lugar que iríamos deparar com uma imagem de raio x sem ter visto o paciente, sem ter ouvido sua queixa, sem avaliar com a adequada propedêutica? Nenhum. O que era visto com tal rapidez e perguntado com o objetivo de se satisfazer com o erro de quem nunca tinha visto aquilo seria facilmente esquecido. Que tipo de personalidade habita num indivíduo que com décadas de formação se perfaz comparativamente com a ignorância do novato, com o aprendiz?

Doutor: Então eu vou te ensinar... Isso é uma radiografia clássica de ...

Questionar era perigoso e ameaçador. Além das penas previstas para os pobres coitados (que viajaram por horas em ônibus e trens superlotados e não podiam se mostrar contrariados com a falta do Doutor, com a vaga para daqui a três meses, com a espera insuportável e com o mau humor do secretário) para os aprendizes havia uma outra pena: a possibilidade de passar novamente por tal cerimônia insuportável com a reprovação. Afinal, desacatar funcionário público é crime. E crime é para ser punido.